quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Um modelo dialógico de educação teológica

por Rev. Dr. Pedro Triana
Sem deixar de lado a importância da ortodoxia sobre a ortopraxia, em minha opinião, a Teologia da Libertação está certa ao postular a primazia da última sobre a primeira: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21-23).
Foi na prática do seguimento de Jesus que os primeiros cristãos o conheceram e acreditaram nele. E quando eles pensaram nos títulos de Jesus como Salvador, Mediador, Messias, Cordeiro de Deus, Cristo e Filho de Deus, realmente estavam tentando colocar na linguagem dos símbolos a decisão de segui-lo e de continuar sua vida de amor para com todas as pessoas. Seguimento que implicava estar comprometido ativamente com a vida e as lutas deste mundo, preocupar-se especialmente com as pessoas que estão sofrendo por causa da injustiça e a opressão, na esperança de que, apesar de fracasso e morte, este mundo pode mudar para melhor[1]. E aqui certamente nos encontramos no campo do serviço e da missão.
No entanto, hoje, na visão da teologia do pluralismo religioso, a missão só tem sentido em uma perspectiva pluralista e dialogal. Mas o correto não seria tentar incluir o diálogo na missão, mas entender a missão como diálogo. Ou seja, a melhor forma como a igreja e os seguidores de Jesus podem servir ao Reino de Deus, no mundo atual, religiosamente plural e globalmente ameaçado, é por meio do diálogo, porque do contrário, a natureza e o propósito da missão estão perdidos e tornam-se irrelevantes. Contudo, definir a missão como diálogo não significa reduzir essa missão a alguma atividade específica, mas antes ampliar essa missão além das atitudes e práticas tradicionais e equilibrar melhor os vários aspetos da missão[2].
Então, o anteriormente dito implica ter uma visão missionária dialogal e abrangente, onde a proclamação e a prática da boa notícia do Reino de Deus devem permear todas as atividades: o dia-a-dia, a luta pela justiça, a liturgia, a espiritualidade, e a teologia.
Agora, é oportuno lembrar, que ao afirmar-se como um novo paradigma, a teologia do pluralismo religioso tem serias e profundas implicâncias para o trabalho teológico em geral, e também para educação e formação teológica em particular. Por isso, afirma Knitter, que se a teologia, como parte dessa missão dialogal se entende como diálogo plural, a forma como fazemos teologia deve ser diferente e mais exigente do que é atualmente na maioria das universidades, faculdades e seminários de teologia, postulando o que ele chama: “modelo dialógico de educação teológica”[3].
E pela relevância e pertinência de suas colocações para todos os envolvidos na tarefa da educação teológica em universidades, faculdades e seminários, passo a comentar o que significa caminhar para um “modelo dialógico de educação teológica”
Segundo Knitter, no presente mundo global e religiosamente plural, para que a teologia cristã faça sua tarefa de forma competente e relevante não pode ser só cristã. E uma das causas pelas quais a educação teológica não está fazendo o seu trabalho de mediar adequadamente entre a cultura e a religião tem a ver com o que ele chama caráter “monorreligioso” da maior parte da teologia cristã de hoje. Por isso, manter a tradição cristã como fonte ou norma única para a teologia é desrespeitar o que Deus revelou em outros lugares e culturas.
Então, a seguir passo a enumerar algumas das sugestões práticas para um “modelo dialógico de educação teológica”. Porém, faço a ressalva que não vou apenas enumerar, mas também acrescentar algumas sugestões, comentários, desafios e provocações particulares.
Em primeiro lugar, comenta Knitter, a reestruturação da educação teológica implica mais do que mexer ou mudar o currículo. As religiões devem ser ensinadas segundo um currículo educacional teológico de uma maneira conversacional em vez de puramente informativas, e com uma tentativa de mediar entre as religiões e a cultura contemporânea.
Em segundo lugar, os estudantes de teologia precisam de oportunidades para aprender sobre tradições que lhes são em sua maioria completamente estranhas, e para isso os professores terão que combinar tanto conhecimento como envolvimento pessoal e possibilitar assim que os alunos apreciem outros modos de ser religioso no mundo e sejam desafiados por ele.
Em terceiro lugar, se bem um curso introdutório de religiões comparadas é importante, porém não e suficiente. Segundo Knitter, precisa-se de cursos obrigatórios sobre o Islã, religiões asiáticas, espiritualidades indígenas (e eu acrescentaria de religiões afro latino-americanas). Esses cursos deveriam ter uma abordagem desinteressada e sem julgamentos cristãos, porque cursos com julgamentos cristãos geralmente pré-determina a considerar outras religiões como inferiores, ou como preparação para Cristo e o cristianismo. Um modelo plurirreligioso de educação teológica deve possibilitar a conversa e não um monólogo.
Em quarto lugar, e aqui Knitter é realmente desafiante, não podemos estudar e chegar a conhecer outras religiões, se tudo o que fazemos é “ler” sobre elas e emitir juízos de maneira puramente acadêmica. As religiões devem ser estudadas como realidades vividas, não apenas como ensinamentos estimados. Os cursos teológicos sobre outras religiões devem proporcionar aos estudantes oportunidades reais de perceber e experimentar a verdade de outros caminhos. Assim, por um lado, os estudantes poderiam ser incentivados, de forma provisória e sempre em um sentido limitado, a serem hindus, ou budistas, ou muçulmanos; e no caso de nosso contexto latino-americano, eu comento e acrescento, poderiam ser incentivados a serem membros de cultos afro latino-americanos, por que não?. Por outro lado, os estudantes poderiam também ser estimulados a conversar ou entrevistar, com um enfoque existencial, seguidores de outro caminho de ser religioso. E aqui estamos em sintonia com essa frase, famosa e desafiante, desse pioneiro da teologia do pluralismo religioso, Raimundo Paninkkar[4]: “Marchei cristão, me descobri a mi mesmo hindu e volto budista sem deixar de ser cristão”.
Em quinto lugar, afirma Knitter, uma simples adição curricular de cursos de qualidade e teologicamente orientados sobre outras tradições religiosas não alcançará a meta da reestruturação multirreligiosa da educação teológica. Precisa-se também, que os professores ao dar um curso padrão sobre o mal ou sobre a redenção ou sobre a igreja ou sobre a questão de Deus, injetem nas discussões aquilo que outras perspectivas religiosas afirmam sobre esses assuntos, as eventuais diferenças radicais que têm em comparação com a tradição cristã e as provocações que suscitam para que a tradição cristã continue a reflexão.
Finalmente, aponta Knitter, é preciso realizar mudanças na composição de uma faculdade teológica. Conseqüentemente, para conseguir superar a mentalidade monorreligiosa, nenhum seminário o faculdade universitária deveria ser considerada completa em si ou devidamente equilibrada, ao menos que incluísse um ou mais professores formados especificamente em alguma tradição não cristã.



[1] Paul F. Knitter, Jesus e os Outros Nomes. Missão cristã e responsabilidade global, Nhanduti Editora, São Bernardo do Campo/SP, 2010, p.122.
[2] Veja agora, ibidem. pp.175-180.
[3] Veja Paul F. Knitter, Jesus e os Outros Nomes. Missão cristã e responsabilidade global, Nhanduti Editora, São Bernardo do Campo/SP, 2010, PP.169-198.
[4] Raimundo Panikkar, (1918-2010), é um dos pioneiros da teologia do pluralismo religioso. Sacerdote católico, nasceu em Barcelona, Espanha; doutor em Filosofia (Madrid 1946), em Química (Madrid 1958) e em Teologia (Roma 1961). Foi ordenado sacerdote em 1946. Ensinou nas principais universidades de América, Europa e a Índia. Em 1954 foi para a Índia onde foi investigador nas universidades de Mysore e Varanasi. Seus estudos abrangem a cultura da Índia e a historia e filosofia das religiões. Seus livros e artigos compreendem temáticas como filosofia das ciências, a metafísica, religiões comparadas, indologia, e teologia. Morreu recentemente. Para mas informações sobre sua vida e pensamento veja José Luis Rueda, “Panikkaar: Um pioneiro da teologia do pluralismo religioso”, em: Teologica Xaveriana – Vol.58. No.165 (183-200) Enero-Junio de 2008, Bogotá, Colombia. ISSN 0120-3649.