quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A IMPORTÂNCIA DA EXPERIÊNCIA BENEDITINA PARA A IGREJA

INSTITUTO ANGLICANO DE ESTUDOS TEOLÓGICOS


(c) JORGE DE FRANÇA SOUZA






A IMPORTÂNCIA DA EXPERIÊNCIA BENEDITINA PARA A IGREJA


Trabalho de aproveitamento do 5º semestre do curso de formação do Instituto Anglicano de Estudos Teológicos – IAET-SP


2009 - São Paulo
BENTO DE NÚRSIA
Segundo seus biógrafos, Bento de Núrsia nasceu no ano 480 a.D na região dos Sabinos, Itália antiga, em Núrcia, hoje província de Perusa. Seu pai pertencia à tradicional família de Anício, que deu à pátria numerosos cônsules e imperadores. Por parte de sua mãe era o filho caçula dos senhores de Núrcia.
Dispondo de recursos abundantes, enviaram-no, ainda menino a cidade de Roma para adquirir conhecimentos. Durante os sete anos que lá permaneceu obteve progresso notável nos estudos, tanto para pressentirem que, se continuasse, tornar-se-ia um dos mais destacados homens de seu tempo.
Na adolescência, sendo um jovem de bom caráter, sente-se incomodado com o ambiente decadente da cidade de Roma e percebe que isto induz os jovens à orgia, vícios e corrupção. Ele percebe que o convívio o prejudica e entre as ciências humanas, nas quais se projetava, e a preservação dos costumes, prefere permanecer fiel à pureza de vida cristã, recebida desde o berço. E assim deixa a cidade.
Sua ama de leite, de nome Cirila, amava-o ternamente e não o abandona. Na vila de Enfide, para onde se dirigiram, faz o primeiro milagre, do qual o conhecimento chegou até nós. Essa senhora pegou emprestado da pobre gente do lugar, um utensílio de barro, provavelmente para cozinhar, e ao usá-lo quebrou-o. Bento reuniu os pedaços e restabeleceu-o, por sua prece, no mesmo estado que era antes. A notícia espalhou-se velozmente e logo olhavam o rapaz como um santo.
Este fato constituiu motivo decisivo para ele retirar-se secretamente dos que haviam assistido ao prodígio , inclusive sua ama.
A fonte da maioria dos acontecimentos da sua vida são os Diálogos de São Gregório Magno, que baseou-se em fatos narrados por monges que o conheceram pessoalmente. Aos vinte anos retirou-se para Subiaco para viver como eremita e dedicar-se a oração. Sua fama de santidade era tão grande que logo foi convidado a dirigir pequenas comunidades monásticas da vizinhança. Sua disciplina rígida gerou insatisfações, ocasionando tentativas de envenenamento. Desgostoso mudou-se para monte cassino, onde criou uma grande família monástica e foi ali que redigiu sua famosa regra que melhorava as experiências anteriores(a regra do Mestre Agostinho).
REGRA
A Regra de São Bento, definida no ano 534 determinava que, os monges tinham que viver em comunidade nos mosteiros, fazer votos de pobreza, fazer votos de castidade e obediência ao abade, que eles próprios tinham a incumbência de eleger. Tinha que dedicar o tempo à oração e ao trabalho seja ele de caráter agrícola, artesanal, cultural ou educativo (hospedar peregrinos e viajantes) ocupar-se com os pobres e o ensino. Ela consta de 73 artigos e um prólogo.
A ordem Beneditina deu ao monasticismo ocidental uma forma definitiva. Todas as outras ordens monásticas que surgiram no Ocidente basearam-se na Regra de São Bento. Os mosteiros tornaram-se verdadeiros pólos culturais na Idade Média. Suas bibliotecas preservavam obras de escritores da Antigüidade Grega e Romana.
Ao lado de cada mosteiro, geralmente havia uma escola, que atendia a população pobre da região. Em geral, os freqüentadores acabavam se convertendo ao cristianismo.
Vale ressaltar e destacar, a execução, dentro dos mosteiros medievais, do rígido e minucioso trabalho dos monges copistas que acabou por preservar o saber greco-romano. Entretanto, mais que preservar, esse trabalho deu forma e conteúdo ao pensamento religioso que dominou todo o período medieval.
Um fator importante da Regra de São Bento é a sua humanidade por ser moderada, simples, sensível, sem rigor aos extremos. Ao mesmo tempo em que incentiva os monges a uma vida santa, enfatiza a importância da estabilidade, ou seja, a permanência num mesmo mosteiro e da necessidade de aceitar as limitações impostas pela vida em comunidade assim como a aceitação com paciência as fraquezas físicas ou de condutas dos irmãos. São incentivados a se ajudarem mutuamente no seguimento dos caminhos do Senhor assim como a receber sempre o estranho que chegava às portas dos mosteiros, pois ela é um caminho de vida cristã no seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A vida comunitária é vista como uma ordenada sucessão de oração, atividade e reflexão.
A Regra estabelece primeiro, o ''OPUS DEI'', no qual os monges, em comunidade, celebram sete vezes ao dia, o Ofício Diário composto de salmos, hinos, antífonas, responsórios e leituras bíblicas.
O modelo espalhou-se por toda Europa, e embora sofresse adaptações e desenvolvimentos durante os séculos, converteu-se, por mais de mil anos, em norma para toda a Igreja Ocidental.
Enfatiza, em segundo lugar, a 'LECTIO DIVINA'', na qual os irmãos refletem sobre textos bíblicos, os escritos dos Santos Pais e Mestres da espiritualidade, para que, num tranqüilo processo de absorção, baseado na verdade da Palavra de Deus, nutrir suas inteligências e moldar um temperamento reflexivo e contemplativo de devoção.
Em terceiro lugar, estabelece-se o ''LABOR'', que assegura, para as pequenas comunidades monásticas, a auto-sustentabilidade social, espiritual e econômica. O ritmo de trabalho e oração oferecia uma espiritualidade integrada e equilibrada. Deus era glorificado tanto pelo uso e mordomia da criação quanto na articulação do louvor na Igreja.
BENEDITINOS NO CONTINENTE AMERICANO
Os Beneditinos aportaram definitivamente no Brasil em 1581 onde fundaram a Abadia de São Sebastião na cidade de Salvador, sendo esta o primeiro Cenóbio no continente americano. A seguir foram fundada outras abadias em outros estados assim como pequenos mosteiros no Século XVII.
Em São Paulo, os monges beneditinos chegaram em 1598. A Companhia de Jesus e a Ordem do Carmo eram as únicas ordens religiosas em São Paulo.
Fr. Mauro Teixeira foi o primeiro beneditino a chegar a cidade de São Paulo. Natural da cidade de São Vicente, foi discípulo direto do jesuíta Pe. José de Anchieta. Após a morte de seus familiares pelos índios tamoios, num ritual de canibalismo, Fr. Mauro entrou no Mosteiro de São Bento da Bahia.Terminada a sua formação monástica, o Padre Provincial Fr. Clemente das Chagas o envia à São Paulo, onde funda uma pequena ermida, núcleo inicial da presença dos beneditinos na cidade. Logo em seguida, vem o Pe. Fr. Mateus da Ascensão, edificar um mosteiro e formar o primeiro núcleo comunitário.
Assim que ele chegou, a Câmara Municipal doou em 9 de maio de 1600, um pedaço de terra que situava-se "no lugar mais ilustre da vila, depois do Colégio da Companhia", em doação perpétua "até o fim do mundo". O local era onde se localizava a antiga taba do cacique Tibiriçá, "o glorioso índio que realizara a aproximação euro-americana e permitira o surto da civilização no planalto, salvando São Paulo da agressão tamoia de 1562", segundo as palavras do historiador Taunay.
Somente em 1634, as obras terminaram e assim constituída a Abadia. A capela fora dedicada a São Bento. Posteriormente, a pedido do Governador da Capitania de São Vicente, D. Francisco de Sousa, grande benemérito dos beneditinos, foi mudado o patrono da capela paulistana para Nossa Senhora de Montserrat. E, 100 anos depois, em 1720, a capela passou a chamar-se de Nossa Senhora da Assunção, título que se conserva até hoje.
No Capítulo Geral de 14 de maio de 1635, o primeiro Visitador da Província, o espanhol Fr. Álvaro Carvajal foi eleito o primeiro Abade de São Paulo.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÉPOCA
Entre os séculos V e VI o mundo estava envolvido por uma tremenda crise de valores e de instituições, causada pela queda do Império Romano, pela invasão dos novos povos chamados de bárbaros e pela decadência dos costumes. A cidade de Roma tornou-se um antro de perdição onde a ausência de ética e moral alinhava-se a corrupção política. Roma estava em decadência, a juventude era frívola e induzida à libertinagem, ao vício e à corrupção.
Com a apresentação de São Bento como "astro luminoso", Gregório queria indicar esta situação atormentada, precisamente aqui nesta cidade de Roma, a saída da "noite escura da história"1.
De fato, a obra do Santo e, de modo particular a sua Regra revelaram-se, portadoras de um autêntico fermento espiritual, que mudou no decorrer dos séculos, muito além dos confins da sua Pátria e do seu tempo, o rosto da Europa, suscitando depois da queda da unidade política criada pelo império romano uma nova unidade espiritual e cultural, a da fé cristã partilhada pelos povos do continente. Surgiu precisamente assim a realidade à qual nós chamamos "Europa".
São Gregório ilustra-nos como a vida de São Bento estivesse imersa numa atmosfera de oração, fundamento importante da sua existência.
Sem oração não há experiência de Deus. Mas a espiritualidade de Bento não era uma interioridade fora da realidade. Na agitação e na confusão do seu tempo, ele vivia sob o olhar de Deus e precisamente assim nunca perdeu de vista os deveres da vida quotidiana e o homem com as suas necessidades concretas.
IMPORTÂNCIA DE BENTO PARA A IGREJA
Bento foi chamado a esta experiência por causa da pureza de seu coração. Deus em sua magnitude já tinha planos para ele e quando chamado não resistiu, aceitou e doou-se mesmo sofrendo as tentações que tentavam afastá-lo do plano de Deus.
Em seus quase 1.500 anos de vida, os beneditinos acompanharam as vicissitudes da história da Igreja, com momentos de expansão, de decadência e de supressão e Renascimento.
Os valores da tradição monástica falam ainda hoje aos cristãos que são parte do mundo moderno. Reconhecemos a importância de uma vida litúrgica comunitária, de trazer perante Deus, em oração, o trabalho no qual estamos engajados e as necessidades das comunidades nas quais estamos inseridos, para que Deus as guie e abençoe, as redima e renove.
Os relacionamentos entre nosso trabalho e a vida litúrgica se concretizam no cuidadoso ordenamento das Intercessões e também na preparação de celebrações para marcar ocasiões e/ou necessidades especiais. Através desses vínculos aprendemos também a ver nosso trabalho e nossa vida de relação como meios para melhor servir a Deus e dar testemunho dele a uma sociedade secularizada.
Além da Igreja Católica, Bento é venerado pelas Igrejas Anglicana, Ortodoxa e Luterana. No caso da Igreja Anglicana, mesmo distante durante 300 anos após a reforma , a influência Beneditina perdurou fortemente na tradição do LOC(Livro de oração comum) anglicano, a ponto de poder afirmar-se com justiça que a espiritualidade anglicana está imbuída do espírito beneditino
IMPRESSÕES PESSOAIS
Conhecer a história de vida, exemplo e espiritualidade de São Bento de Núrsia foi emocionante e enriquecedora e com certeza será de grande importância para minha caminhada.
Penso que num mundo globalizado, excludente, pluralista e cheio de conflitos onde uma grande parcela da população mundial vive abaixo da linha da miséria, onde impera a corrupção global e o desvio de dinheiro público é fato, o aprendizado das regras de Bento seria de grande importância para esta sociedade corroída pelo mal e tão distante das bênçãos e o amor de Deus.
Há momentos em que relembro as notícias de minha cidade, Rio de Janeiro, bela por natureza, mas cuja população está inerte, entregue a própria sorte por causa da omissão do estado e da sociedade em si, que dorme em berço esplêndido e não se dá conta do que acontece a sua volta.
Em conseqüência disto, sinto uma imensa dor no coração ao saber que milhares de jovens são mortos todos os anos por causa da guerrilha urbana, fruto do confronto que existe entre traficantes por causa do tráfico de drogas.
Queira Deus que possamos compreender e lutar por esta realidade, tão nossa, mas sem esquecer jamais, da realidade eterna.
DICIONÁRIO
Ancoreta, vivia sozinho e afastado dos seus semelhantes.
Monges ou Cenobitas que habitavam o Mosteiro ou Cenóbio.


BIBLIOGRAFIA


Braga: Coleção “Os grandes em Imagem”- Bento de Núrsia – Pai do Monaquismo Ocidental; Editorial A.O. e Edições Loyola- SP.


Link: “ Mosteiro de São Bento-SP” - http://www.mosteiro.org.br/Historico/index.htm


Link: “Blog Oblatos de São Bento” - http://oblatosdesaobento.blogspot.com/2009/10/bento-escreve-sua-regra-monastica.html


Link: “Oblatos Anglicanos de São Bento” -http://www.dm.ieab.org.br/ministerios/04_ordens_beneditinos.html#Cena_1

Eles ouviram a voz da serpente

(c) Reginaldo Marcelo


Eles ouviram a voz da serpente
Reflexões sobre uma Comunidade de Amor perdida
e a responsabilidade da igreja para restaurá-la


Instituto Anglicano de Estudos Teológicos – IAET
2008


Introdução


O nascimento deste trabalho está relacionado a vários motivos: à aula sobre a mordomia cristã ministrada pelo reverendo Leandro de Campos, nossa admiração e amor profundo pela natureza, à preocupação profunda com aqueles que sofrem sejam humanos ou não, além da problemática ligada à própria destruição do planeta Terra.
O mundo que chamamos de casa está profundamente doente, sua enfermidade é causada por aquele que deveria ser seu maior defensor. O ser humano parece cego pela ganância, pois destrói, oprime, devasta em nome de um suposto desenvolvimento econômico, para manter-se na moda, incentivado pela propaganda consome mais que a capacidade dos recursos naturais. Anualmente milhares de pessoas morrem de fome e sede, hectares de florestas são derrubados, toneladas de dejetos são despejadas em rios e aterros. As maiores vítimas das agressões são os pobres, pois vivem em áreas periféricas próximos a lixões, córregos e rios mortos pela poluição, e convivem com a escassez de água e alimento.
A Igreja chamada para ser sal e luz no mundo, muitas vezes, no decorrer da História, colocou-se ao lado dos poderosos e legitimou em nome de Cristo a morte de pessoas, animais e vegetais.
Esta situação de morte e dor não foi sonhada por Deus. Os relatos de fé contidos no livro de Gênesis mostram um Criador amoroso, cunhando um mundo belo e chamando todos a viverem em Comunhão. Preocupa-se em desenhar uma Comunidade de Amor, onde Ele, os seres humanos, animais, vegetais vivam em harmonia, sem fronteiras, diferenças raciais, religiosas, econômicas, políticas e sociais.
Na Comunidade de Amor criada por Deus a única exigência era obedecer ao seu projeto de paz, solidariedade, misericórdia e não decidir por si mesmo, porém o ser humano ouviu a voz da serpente; o mal e a ganância adentram a História Humana, e então, ele é expulso do Paraíso perdendo a comunhão com o outro, incluindo Deus e natureza.
O mundo pós-serpente foi adoecendo e diante de sua enfermidade a Igreja é chamada a estar ao lado do oprimido, orar e lutar para que a Comunidade de Amor seja restaurada.
Esse trabalho tem a intenção de mostrar alguns caminhos para a labuta da igreja no campo da ecologia, pois nosso questionamento subsiste no seguinte: “Qual o papel da Igreja na luta ecológica?”.
Para responder esta pergunta nos achegamos principalmente à Bíblia e à teologia. Aproximamo-nos de ambos, para redigir nosso trabalho, porque acreditamos que elas têm algo a dizer sobre o assunto.


Comunidade de Amor


Segundo Gênesis, o livro da Origem, a Criação do mundo e de tudo o que nele existe foi um ato de amor de Deus. Ele moldou com sua palavra, a terra, o céu, as águas, a vegetação, todos os animais, insetos e finalmente o ser humano e na sequência observou tudo o que tinha sido feito, Deus viu que “estava tudo muito bom” (Gn 1.31). “Aos olhos de Deus, cada um dos elementos da criação tem um valor em si, tem uma dignidade própria, que lhe é conferida pelo próprio Criador. Assim Deus vai formando sua comunidade da criação” 1. Deus dispôs toda a criação com carinho, ordenou todos os elementos com amor.
Nas narrativas de Gênesis (Primeira 1.1-2.2a e segunda 2.2b-25), notaremos que Deus gerou o ser humano como parte integrante da criação, tanto que animais e seres humanos são trazidos a existência no mesmo dia (Gn 1.31). Há uma comunhão entre Deus, seres humanos, animais e vegetais. O Criador cunha uma grande comunidade de Amor.


Tarefa do ser humano: Cuidar e dominar, preservando a grande comunidade de amor
De acordo com Gênesis 1.26-28, Deus entrega ao ser humano a tarefa de dominar e cuidar de toda a Criação.


O mandato deve ser visto dentro da condição humana de “imagem de Deus” “Façamos o homem a nossa imagem” (v 26ª). Deus é o Deus da vida que não só criou a diversidade nos reinos animal, vegetal e mineral, mas, considerou toda a criação boa. Então o domínio humano sobre a criação não pode estar dissociado deste Deus representado no primeiro capítulo de Gênesis. 2


Deus criou a terra para o ser humano usufruir dela e assim ter uma vida abundante e plena (árvore da vida). A única condição exigida é a obediência ao seu projeto de vida, fraternidade e misericórdia e não decidir por si mesmo o que é o bem e mal (comer do fruto da árvore do bem e do mal) a fim de que o equilíbrio não seja rompido e assim não ser o causador de opressão, miséria e morte.
A criação da mulher como companheira é fundamental, pois assim homem e mulher poderiam compartilhar suas realizações com a mesma espécie e vivenciar integralmente a Comunidade de Amor. Era a chance do ser humano de partilhar o amor pleno e participar como co-criador, e isso aparece através da ordem de nomear cada animal.


Rompimento da Comunidade de Amor: O projeto da Serpente
A criação do universo e de todos os elementos comunica a bondade de Deus, o encanto e a poesia contida em cada flor, rio, árvore e no próprio ser humano é imensurável, somente um Deus amoroso e criativo poderia criar tanta beleza.
Dentro da comunidade original da Criação, Deus exige que o ser humano siga seu projeto e não decida por si mesmo, “Você pode comer de todas as árvores do jardim. Mas não pode comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em dela comer, com certeza, você morrerá. Gn 2.16-17 – Bíblia Pastoral”. Se desobedecesse ao Criador, o ser humano teria que enfrentar as agruras da vida, a falta de misericórdia, partilha e amor. Sua relação com a comunidade de amor sofreria modificações não desejadas por Deus.
O que era temido por Deus se realizará, pois o ser humano começou a ouvir a voz da serpente dentro do seu coração, inicia-se a sua tendência para o mal, ele escolherá caminhar sem a orientação, preferirá peregrinar por si mesmo. “O projeto da serpente inaugura o dinamismo de um desejo que destrói, desfaz e mata. Isso se encontra na raiz da vida humana, de todas as suas relações sociais, e portanto na raiz da construção da História e da Cultura.”3


Consequências de ouvir a voz da serpente
As consequências de ouvir a voz da serpente foram desastrosas. O ser humano é expulso do paraíso, ou seja, ele perde a comunhão que anteriormente tinha com a comunidade de amor. Começa a ter dificuldades de escutar a voz de Deus e obedecer a seu projeto. A própria história de Caim e Abel demonstra isso, pois a inveja, ganância, mesquinhez, mentira, violência entraram na vida humana, o que afetará todas as relações. O rodapé da Bíblia pastoral afirma:


4.1-16: O relacionamento entre os irmãos Caim e Abel é o oposto daquilo que Javé espera do relacionamento entre os homens; a fraternidade, em que cada um é protetor do seu próximo. A auto-suficiência introduz a rivalidade e a competição nesse relacionamento: a fraternidade é destruída e, em vez de proteger, o homem fere e mata o seu próximo. A primeira vez que a palavra pecado aparece na Bíblia é num contexto social (v.7)4


Observando a História humana, “ouvir” a voz da serpente foi calamitoso: fome, guerra, ganância, destruição ambiental.
A terra (a grande oikos=casa) que antes proporcionava alimento, moradia, bem estar e vida a toda a Comunidade de Amor foi sendo transformada pelo ser humano, que escolheu seguir seu próprio caminho e assim abandonar a proposta de vida, misericórdia e solidariedade do Criador e Doador da vida.


Exemplos da ação destruidora do ser humano
A História é repleta de exemplos da ação destruidora do ser humano, pós- serpente
O século XX enfrentou duas guerras mundiais: a Primeira Guerra: 1914-1918 - matou nove milhões de pessoas e a Segunda Guerra 1939-1945 - matou 55 milhões de pessoas. Seis milhões de pessoas (judeus) morreram em campos de concentração. O “desenvolvimento” econômico a qualquer custo levou florestas a desaparecerem e outras quase à extinção, um exemplo disso é a Mata Atlântica Brasileira: “Séculos de exploração madeireira predatória, queimadas, expansão agrícola, pecuárias e urbana, destruíram 93% da mata Atlântica”5
A fome assola o mundo, milhares de pessoas morrem por falta de alimentos anualmente:
Entre quatro e cinco milhões de pessoas a cada ano entram do setor da população mundial que passam fome, e que representa um sexto do total, afirmou hoje a diretora-executiva adjunta do Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Nações Unidas, Sheila Sisulu.
Ao apresentar uma publicação que analisa essa situação, a representante da agência das Nações Unidas disse que "cerca de 25.000 pessoas morrem diariamente devido a doenças relacionadas à desnutrição" e acrescentou que, em geral, a falta de comida e as carências nutricionais "causam mais mortes que a AIDS, a tuberculose e a malária juntas".6


Outro problema é a agressão ao ambiente que levou ao desaparecimento de várias espécies animais e aves: Segue uma pequena lista deles:


Dados da Ave:
Nome: Dodô
Nome Científico: Raphus cucullatus
Local onde viveu: Ilhas do Oceano Indico
Peso: Cerca de 23 quilos
Tamanho: 50 centímetros de altura
Alimentação: Herbívora
Extinção: Século XVII.
Estas aves tinham muita carne e foram mortas para abastecer os navios que passavam pela região. Elas se alimentavam de uma semente dura proveniente de uma árvore chamada Calvária, e sua propagação somente se dava após passarem pelo estômago do Dodô. As Calvárias ainda existentes datam de mais ou menos 300 anos, também estão em extinção.
Dados do Mamífero:
Nome: Quagga
Nome Científico: Equus quagga
Local onde viveu: África
Peso: Cerca de 350 quilos
Tamanho:  1,6 metros de altura
Alimentação: Herbívora
O Quagga foi uma espécie de zebra extinta há 120 anos nos prados da África do Sul, seus hábitos eram idênticos aos das zebras atuais, porém como habitava uma pequena região específica e caçado tanto pela sua carne como pela sua pele, a ponto não sobrar mais nenhum na natureza, fato este que ocorreu em 1872, sobrevivendo apenas alguns animais em zoológicos espalhados pelo mundo. O último representante dessa espécie morreu no Zoológico de Amsterdã em 1883, aumentando assim a lista de espécies extintas pela "Invasão Humana".
Além dessas houve outras espécies extintas: Moa Gigante (um pássaro gigante, algumas espécies podiam chegar a 4 metros, viveu na Oceania), Lêmure Gigante (viveu em Madagascar), Tartaruga Gigante de Rodrigues (habitou a Oceania).
Segundo Genebaldo Freire Dias em seu livro Antropoceno, vivemos um período de extinção em massa. Estão ameaçados de extinção: 11% das aves, 25% dos mamíferos e 34% dos peixes. A causa principal desse aniquilamento é a destruição do seu habitat.
Cada vez que uma espécie é extinta, a solidão humana aumenta, a Terra empobrece e o ser humano fica mais só e o projeto de Deus referente à Comunidade de Amor se distância.


O que tem sido feito para mudar tudo isso?
A sociedade humana tem buscado resolver os graves problemas ambientais. O primeiro grande esforço internacional foi a realização da Conferência de Estocolmo (Suécia 1972), reunindo 130 nações. Em 1992, passados vinte anos, representantes de 170 países estiveram presentes na Conferência conhecida como Rio-92, que produziu o documento intitulado Agenda-21, um tratado de compromissos ambientais, contendo recomendações para um novo modelo de desenvolvimento (Sustentável) e enfatizando a importância da Educação Ambiental.


Seguiram-se outros encontros internacionais para tratar especialmente de temas como biodiversidade, camada de ozônio, efeito estufa e alterações climáticas, assentamentos humanos, crescimento desordenado da população mundial, situação da mulher, entre outras questões, que resultaram em importantes acordos, tratados e convenções, muitos dos quais estão sendo negociados.7




O pecado entrou no mundo, mas existe redenção
Apesar do ser humano ter ouvido a serpente e rejeitado o projeto do Criador, ele não é abandonado à sua própria sorte, pois Deus procurará meios para proporcionar salvação e redimir toda a Criação. Jeffrey Burton Russell afirma que mesmo:


Adão e Eva, tendo quebrado o acordo com Deus, introduziram uma era de pecado, até que Deus deu uma segunda chance à humanidade com as alianças que ele fez com Israel e com os profetas que enviou aos filhos de Israel. Eventualmente ele enviou Cristo para destroncar o mal e restaurar o bem no reino de Deus8


Deus não se exime de continuar cuidando de toda a sua criação, porém o ser humano ainda tem a tarefa fundamental de zelar por ela. Os problemas ambientais, sociais, econômicos, que estão todos relacionados entre si não foram uma invenção divina, mas humana, pois Ele gerou todas as coisas em harmonia. Dessa maneira, quem tem o encargo de resolver a questão da pobreza, exploração da mulher e da criança, do desmatamento, entre outros é o próprio ser humano.


A solução para os problemas climáticos do planeta Terra só será encontrada se houver uma mudança no coração dos seres humanos. A análise é do arcebispo da Cantuária, na Inglaterra, Rowan Williams, líder mundial da Igreja Anglicana
O clérigo fez a declaração numa palestra na Catedral de York, abordando as relações entre a fé cristã e as questões ecológicas. Williams disse que não vale esperar que Deus resolva tudo sem que governos e cidadãos cumpram sua parte na resolução dos problemas ambientais.
“Acho que sugerir que Deus possa intervir para nos proteger da loucura comum das nossas práticas é tão anticristão e antibíblico como sugerir que ele nos protege das consequências da nossa insensatez ou pecado individual”, frisou o clérigo.
O líder anglicano não deixou de criticar as nações do Primeiro Mundo pela degradação ambiental mundial: “Os países ricos têm a responsabilidade de lidar com as questões ambientais, para o bem dos mais pobres e para as gerações futuras”.
Wiliams acrescentou que o mundo enfrenta uma série de cenários catastróficos em que “o final trágico é que um mundo capaz de ser uma manifestação em mãos humanas do amor divino é entregue a si mesmo, enquanto a humanidade é gradualmente sufocada, afogada ou esfaimada pela sua própria estupidez.”
O arcebispo mencionou ainda que a mudança só será possível se houver uma “transformação radical”, em que as pessoas limitem os danos causados ao meio ambiente, deixando ainda assim o que chamou de “espaço seguro” para a natureza continuar incólume da interferência humana”9


A Igreja é a questão ecológica
Quando se fala em ecologia10 deve-se ter em mente que o tema não trata somente da destruição do Meio Ambiente e problemas como poluição, aquecimento global, chuva ácida, desflorestamento, agressão a animais entre outros, mas ela engloba outros elementos que deve ser também alvo da ação da Igreja de Cristo, como por exemplo: Quando a democracia está em perigo, os direitos humanos não são respeitados, há eminência de guerra, etc. Leonardo Boff escreve que:


Sofremos com a ameaça que pesa sobre todo o nosso planeta, de ser destruído por um cataclisma nuclear. Pesa-nos o fato da agressão sistemática da natureza, com o desaparecimento de espécies vegetais e animais. Desola-nos o cinturão de miséria que circunda nossas cidades.11


Dessa maneira, a questão ecológica desafia a Igreja de Cristo, pois ela é chamada para ser luz e sal do mundo (São Mateus 5.13-16) e não pode ficar inerte aos graves problemas de ordem ecológica, a práxis dos cristãos e cristãs precisa estar inserida na sociedade, levantando sua voz profética através de ações concretas, em prol do Reino de Deus, testemunhando um Deus preocupado com toda a sua criação. A ação pastoral da Igreja tem que estar voltada para uma ação solidária e libertadora da natureza e daqueles que sofrem. Clóvis Pinto de Castro propõe uma ecologia em perspectiva holística orientada pela solidariedade, ou seja, uma eco-solidariedade.


Ação Pastoral ecológica
Qual deve ser o papel da Igreja? Como ela pode agir para que a natureza, os pobres, o desamparado sejam protegidos e assim saírem da sua condição de dor e sofrimento e assim possam desfrutar de vida em abundância? Tentamos apontar alguns caminhos que não são definitivos e únicos, mas pistas para o trabalho da Santa Igreja.
A Ação pastoral ecológica é um caminho que a Igreja pode desenvolver para organizar sua ação junto a todos/as que necessitam da ação libertadora da graça de Deus e assim lutar para o restabelecimento da Comunidade de Amor sonhada por Deus. Passamos a indicar alguns caminhos para o trabalho da igreja.


Pastoral da Mordomia Cristã


Os seres humanos em geral e os cristãos em particular receberam a tarefa de velar pela criação continua de Deus, uma criação que se estende até hoje, incluindo todas as mutações, transformações e evoluções naturais. Nós somos um elo da comunidade da criação. Não podemos viver isolados nem separados, nem por cima de outros elos da criação. Temos responsabilidade por eles, no espaço e no tempo. 12


Para que esse cuidado se concretize na vida da Igreja, sociedade, criação e pessoas é necessário que a igreja organize pastorais específicas para atenderem as necessidades presentes no mundo.
A pastoral da Mordomia Cristã é um caminho para o atendimento a necessidades específicas. Um conceito de mordomia cristã nos é apresentado por Jacob Silva: “Mordomia cristã – refere-se à administração correta de todos os bens e recursos que Deus colocou à nossa disposição, bem como, de todos os dons com que enriqueceu nossas vidas, seguindo os valores cristãos!”13
A pastoral da Mordomia Cristã é uma oportunidade dada a Igreja de colocar seus dons a serviço do Reino de Deus e do restabelecimento da Comunidade de Amor. Esse ministério tem a prerrogativa de colocar-se ao lado de quem sofre: pobres, meio ambiente, animais (quando sofrem agressões) entre outros.
Essas questões podem ser efetivadas através de denúncias aos órgãos competentes de crimes contra pessoas, grupos, meio ambiente e animais, implantação de um programa de educação ambiental, além de palestras sobre reciclagem, moda e consumismo, direitos dos animais14, leis que tratam de crimes contra animais15, conscientização quanto ao uso racional da energia e água, racismo entre tantos outros.
Pastoral da Misericórdia e Promoção Humana
A Pastoral da Misericórdia e Promoção Humana é importante para que a Igreja socorra as pessoas que estão passando necessidades físicas, psicológicas e espirituais. Essa pastoral associada à de Mordomia Cristã faz parte da própria dimensão diaconal da Igreja de Cristo, aliás essa divisão é somente estrutural, pois as duas pastorais devem caminhar de mãos dadas.
Essa pastoral pode ter a tarefa de atender as famílias e pessoas que enfrentam as agruras da fome, com a distribuição de cestas básicas, manter cursos nas paróquias para desempregados aprenderem um oficio (Como fazer salgados, artesanato etc.). É importante recordar que as paróquias devem “ensinar a pescar” e não simplesmente “entregar o peixe” como diz um dito popular.


Celebrações Litúrgicas
As celebrações litúrgicas também são uma oportunidade para louvar e agradecer pela criação e um espaço para a educação ecológica. Há períodos que podem ser comemorados como o Dia da Árvore, da Água, Semana do Meio Ambiente. Há outros próprios da Igreja Episcopal Anglicana, como as Rogações, quando a comunidade de fé ora pela Justiça Ecológica e Social, como, por exemplo: Estações Frutíferas, Comércio e Indústria, Mordomia da Criação e Justiça Social. As orações estão presentes na página 153 do Livro de Oração Comum de 1984.
É fundamental transformar essas celebrações em momentos de festa e reflexão quanto à questão ecológica numa visão holística.


conclusão


Segundo os relatos da Gênesis, todos os elementos foram criados com muito carinho. Ao terminar sua obra, o Criador observou e viu que estava tudo muito bom.
Nas narrativas, o ser humano é parte integrante da criação. Há uma comunhão entre Deus, seres humanos, animais e vegetais. O Criador cunha uma grande comunidade de Amor.
A tarefa da mordomia é entregue ao ser humano, que além de cuidar de toda a criação, poderia usufruir dela para ter uma vida abundante e plena. A única exigência era obedecer ao projeto de Deus (fraternidade, misericórdia e vida) e não decidir por si mesmo o que é bem e mal, a fim de que o equilíbrio não fosse rompido e assim, não ser o causador de opressão, miséria e morte.
O que era temido se realizou. O ser humano ouviu a voz da serpente dentro do seu coração, inicia-se a sua tendência para o mal, ele preferirá caminhar sem a orientação divina.
O projeto da serpente invadirá o coração humano, a primeira conseqüência será sua expulsão do paraíso e, portanto, a perda da comunhão com Deus e com a criação. A partir disso, o ser humano será o próprio agente do mal. A abundância e paz do paraíso desaparecerão e o mundo sofrerá perdas irreparáveis: desaparecimento de espécies animais e vegetais, guerras, fome, poluição. A lágrima e dor estarão presentes na história humana.
Apesar de toda a destruição e dor, o ser humano tem se despertado para o problema e através de conferências e tratados tem procurado resolver e amenizar as agressões contra a vida. As várias religiões também têm levantado seu clamor em prol da humanidade.
A Igreja do século XXI tem de clamar para que haja uma renovação de compromissos e trabalhar para que a Comunidade de Amor se restabeleça, pois este é um dos seus fundamentais papéis.
A comunidade eclesiástica pode e deve organizar-se para trabalhar em prol da humanidade. Pastorais como Mordomia Cristã, Misericórdia e Promoção Humana podem ser caminhos facilitadores. Além disso, ela pode, nas Celebrações Litúrgicas, louvar e agradecer, assim como despertar por meio das homilias, o povo de Deus, para o grave problema ecológico mundial.


Referências Bibliográficas


1.ANDERSON,A.F; GORGULHO, Fr. GG, Deus Cria para a liberdade (Gn 1-11), São Paulo, 1990. Brochura sem editora.
2.Anotação de aula do iaet: Professor, teólogo, Rev. Leandro Antunes de Campos – 2008
3.Bíblia Pastoral, Brasilia, Paulus, 1991
4.BOFF, L. Ecologia, Grito da Terra, Grito dos Pobres, São Paulo, Editora Ática, 1996.
5.BOFF, L. Ecologia, Mundialização, Espiritualidade, São Paulo, Editora Ática, 1993
6.CASTRO, C.P. de A Cidade é minha Paróquia, São Bernardo do Campo, Editeo/Exodus, 1996
7.DIAS, G. F. Antropoceno, Iniciação à temática Ambiental,. São Paulo, Editora Gaia, 2002.p.17
8.MARCELO, Reginaldo, Ecologia, Uma Abordagem Pastoral, Monografia, UMESP, São Bernardo do Campo, 1997.
9.http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/07/13/ult1766u16850.jhtm
10.Russell , J. B. O fim do mundo: medo, conspiração e esperança, in http://www.centroestudosanglicanos.com.br/bancodetextos/diversos/fim_do_mundo.pdf
11.SCHARPER, S.B, CUNNINGHAM, A Bíblia Verde, São Paulo, Edições Loyola, 1994.
12.Wegner, U. Bíblia e Ecologia, Belo Horizonte, CEBI, 1992.
13.Vários, Cristãos, Mordomos da Criação, Série: Ambiente e Futuro, 2ª ed. Quito, Equador, 1994.
14.www.avph.com.br/extintos.htm
15.www.evangelicosnews.com.br/2009/03/deus-nao-vai-resolver-crise-ambiental-diz-lider-anglicano/