segunda-feira, 6 de julho de 2009

CREMOS NO ESPÍRITO SANTO (Jorge de França Souza)

CREMOS NO ESPÍRITO SANTO

Disciplina: Estudos Teológicos
Mestre: Revdo. Dr. Calvani
Seminarista: Jorge de França IAET – Instituto Anglicano de Estudos Teológico
Segundo Semestre / 2008

Entender a ação do Espírito Santo em nossas vidas nunca foi mistério em minha vida. Desde cedo minha mãe já nos ensinara a fazer o sinal da cruz.

Até hoje ainda me lembro de sua citação “Pelo Sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus, Nosso senhor, dos nossos inimigos, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, enquanto com o polegar direito desenhava uma cruz invisível em minha testa e na dos meus irmãos.

Nunca questionei de onde ela aprendera, mas penso que foi passado pelo meu avô que fora criado pelos Padres Jesuítas após ficar órfão quando a fazenda da família foi queimada pelos escravos durante a libertação.
Hoje sei que há diversas correntes teológicas sobre a ação do Espírito Santo, mas penso que a ação não é uniforme e se dá de forma variada para cada ser.

Nos estudos teológicos, aprendi que o Espírito Santo é o agente do relacionamento entre Deus e o homem. É por isto que os autores do Novo Testamento o descreve como Pneuma, o vento.

Jesus foi o primeiro homem a receber a plenitude do Espírito, ou seja, o Espírito foi a dinâmica que impulsionou todo o seu ministério aqui na terra. Para nós Anglicanos, o Espírito Santo é a terceira-pessoa da Santíssima Trindade ou, seja é Deus operando continuamente no mundo e na Igreja(Jo 16,.7-8)”.

O Adjetivo “Santo” atribuído ao Espírito não tem a ver com as qualidades morais como costumamos às vezes pensar. A antropologia cultural tem nos ajudado a compreender que tal expressão tem muito mais a ver com qualidades que nos levam ao deslumbramento e ao louvor. “Santo”, nas Escrituras e em tantas outras religiões é aquilo que está “separado” do comum, que é fascinante e totalmente diferente de tudo o que conhecemos. Porém, tal separação não é radical, pois o Espírito se relaciona com o universo na condição de ser “Doador da Vida”.
A palavra “Espírito”, em hebraico é de gênero feminino (Ruah). No grego, é neutro e no latim, masculino.

Tais diferenças levaram os redatores do documento “A Confissão da Fé Apostólica” a dizer: “Porque o termo empregado para designar o Espírito de Deus (Ru’ah) pertence no hebraico e nas línguas correlatas ao gênero feminino, algumas pessoas acham que o Espírito Santo deveria ser considerado, de certa maneira, uma espécie de ‘princípio feminino’ de Deus, e que, portanto, deveria ser tratado como ‘ela’. As igrejas, no entanto, afirmam o imaginário das Escrituras com suas analogias simbólicas e sua linguagem metafórica, mantendo o uso tradicional que prefere o gênero masculino ou, em algumas línguas, o neutro”.

Confessar a fé em um só Deus e em seu Filho Jesus Cristo, é confessar também a fé no Espírito Santo, porque é por meio do Espírito Santo que conhecemos Jesus Cristo e o plano de Deus para conosco (Jo 16.12-15; 1Co 2.10-16).

Foi por meio do Espírito Santo que Deus preparou a vinda do seu Filho ao mundo, desde a antiga aliança. Por isso, o Credo Niceno frisa: “o qual falou pelos profetas”.

Desde o século XVII este símbolo é conhecido como niceno-constantinopolitano. De fato, ele retrata a fé expressa nos dois Concílios de Nicéia(325 d.C) e de Constantinopla(381d.C).

O Concílio de Nicéia acentuou a identidade da natureza entre Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus. Ele apenas afirma que crê no Espírito Santo sem nenhuma explicitação.

O Concílio de Constantinopla definiu, por sua vez, a divindade do Espírito Santo. No Século VI, foi adotado, em grande parte do Oriente, como Símbolo batismal e introduzido também na Liturgia eucarística. E até a reforma litúrgica do Vaticano II, era a única forma de Credo que se rezava. Atualmente continua optativa juntamente com o Símbolo chamado apostólico.

A diferença entre os dois Símbolos acena para duas perspectivas teológicas. O Símbolo apostólico, romano, mais sucinto, acentua os aspectos históricos e concretos da vida de Jesus. O texto foi fixado no século IX, oriundo das catequeses batismais do século II.
Santo Ambrósio no século IV atribuiu-lhe o nome de Símbolo dos Apóstolos, por refletir a fé da Igreja dos apóstolos. O Símbolo “niceno-constantinopolitano” espelha a mentalidade grega, filosófica e abstrata. Responde com posição dogmática às chamadas heresias que ameaçaram a Igreja nos quatro primeiros séculos.

Diferentemente de Deus(Pai) e de Jesus Cristo(filho) o Espírito Santo não fez nenhuma revelação de Si. O Antigo testamento assistiu ao processo de auto-manifestação de Javé que através de grandes prodígios assumiu a iniciativa de revelar-se ao povo que Ele mesmo escolheu.

Quando Jesus veio, nomeou Deus como Pai e no Evangelho de João, chamou a si mesmo de Filho, em profunda unidade com o Pai.
Deus Pai auto-comunicou-se em eventos e palavras. Jesus, por sua vez, foi todo revelação por meio de sua pessoa, mensagens e ações.
Já o Espírito Santo não fez nenhuma revelação de si. Não falou, não escreveu, não agiu visivelmente na história como Espírito Santo.
Muitas pessoas agiam de maneira extraordinária e os escritores sagrados foram falando da ação do Espírito. Associavam os sinais de vida à ação dele.

Pouco a pouco, chegamos à pessoa do Espírito Santo, perguntando-nos quem podia ser aquele que agiu desde a criação do mundo até a animação da vida cristã e da Igreja? Seria a simples presença do Pai? Seria a nova forma de Jesus fazer Ele mesmo o presente? Diante de tais perguntas, a revelação e a teologia foram explicitando a fé no Espírito Santo até chegar à clareza de se tratar de uma pessoa divina igual ao Pai e ao Filho. Ao olharmos atentamente para os primeiros escritos da bíblia no livro do Gênesis, percebemos no Espírito de Deus, que pairava sobre as águas(Gn 1.2) que não se tratava de simples sopro ou ventania produzido por Javé. Ou então quando Isaías, falando do juízo de Deus, ao aludir a idéia da criação, desafia quem tomou a dimensão do “espírito de Javé(Is 40,13)”: quem seria este espírito de Javé, senão o próprio Espírito Santo?

Em outras passagens, o espírito dá vida aos seres:
“Escondes a face, e estremecem; se retiras o seu alento(espírito), morrem e voltam ao pó. Envias o teu alento(espírito), morrem e voltam ao pó. Envias o teu alento(espírito), e são recriados, e renovas a face da terra” (Sl 104,29-30).

No Êxodo, em ação tão simples, mas sagrada, como a confecção das vestes litúrgicas sacerdotais, Deus dota os artistas de “espírito de sabedoria (Ex 28,3)”. No sentido simples e imediato, está em jogo naturalmente habilidade prática, mas, como dom de Javé, deixa aberta a compreensão para a ação do Espírito.

Pela imposição das mãos de Moisés, Josué se enche do “espírito de sabedoria (Dt 34,9)”, que, ao simples soar das palavras, se interpreta como dom concedido por Javé, mas a releitura cristã percebe mais. O mesmo vale do espírito que suscita juízes para libertar as tribos de opressões concretas.

Assim quando os Israelitas se encontravam sob o poder do rei de Aram, “o Espírito do Senhor veio sobre Otoniel que foi Juíz em Israel. Quando saiu para a guerra o Senhor lhe entregou Cusã-Rasataim, rei de Aram, e Otoniel. O país ficou em paz durante quarenta anos, até que Otoniel filho de Cenez morreu(Jz 3,10s).

Qual o Cristão ao rezar o salmo 51, expressão tão bonita de arrependimento de Davi e de todos nós, não se deixa tocar pelo versículo que diz:

“Não me rejeites da presença de tua face, e não retires de mim o teu Espírito Santo! (Sl 51,13)”.

Com freqüência, a ação do Espírito desce sobre os profetas, abre-lhes os olhos para profetizar. Balaão o recebe e entra em êxtase(Nm 24,2-4), Samuel, depois de ungir Saul, diz-lhe que Javé o ungiu e o que o espírito de Javé se apossará dele, ele profetizará e será transformado em outro homem(1Sm 10,1.6).

Uma cena muito linda acontece com a instituição de setenta anciões a quem Javé reparte o espírito que estava em Moisés para que eles dividam as responsabilidades do povo. A cena faz um cristão pensar em Pentecostes.

“Moisés saiu para transmitir ao povo o que o Senhor tinha dito. Reuniu setenta homens dentre os anciões do povo, e colocou-os ao redor da tenda. O Senhor desceu na nuvem e falou a Moisés. Retirou um pouco do espírito que possuía e o pôs sobre os setenta anciões. Apenas sobre eles pousou o espírito e puseram-se logo a profetizar, mas não continuaram. Dois homens tinha ficado no acampamento. Um chamava-se Eldad e o outro Medad. O espírito repousou sobre os dois, que estavam na lista, mas não tinham ido à tenda, e eles também profetizavam no acampamento(Nm 11,24-26).

Eliseu pede a Elias uma porção dupla de seu espírito. Apesar de ser coisa difícil, Elias dá-lhe o critério do manto como confirmação do recebimento(2Rs 2,9-10). Sobre o servo de Javé repousa o espírito(Is 42,1), alusão à presença do Espírito em Jesus, o verdadeiro servo de Javé, embora os exegetas, segundo o sentido literal histórico, entendam referir-se a Ciro da Pérsia. E, sobretudo, sobre o profeta está o espírito de Javé que o ungiu(Is 61,1). Passagem que se tornou famosa porque Jesus a aplica a si mesmo(Lc 4,16-21).

Mais um exemplo da vinda do anuncio da vinda do espírito:
“Sairá um rebento do tronco de Jessé, e de suas raízes brotará um renovo. Repousará sobre o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e discernimento, espírito de conselho e fortaleza, espírito de conhecimento e temor do Senhor (Is 11,1-2)”. Em leitura duplamente cristã, interpreta-se o rebento como o Messias, Jesus Cristo, em quem repousou o Espírito Santo, e a liturgia e a catequese do sacramento da crisma vêem a enumeração dos sete dons do Espírito Santo. Da lista de Iaías,falta um dom. No entanto, a versão bíblica e da Vulgata acrescentam o sétimo dom da “piedade”, como desdobramento do temor de Deus. Ponto alto da revelação do Espírito no Antigo Testamento. Até então se pensava que fosse simples forma da presença de Javé. E os textos assim foram pensados e escritos, embora abertos á outra interpretação que se fez no Novo Testamento.

A revelação do Espírito Santo na vida de Jesus dá por ocasião do batismo por João Batista que anuncia: Ele batizará no Espírito Santo(Mc 1,4-8). Neste momento está sendo introduzindo o Espírito Santo pela primeira vez no relato da vida adulta de Jesus. E como confirmação da verdade, no batismo de Jesus os céus se abrem e o Espírito desce sobre Jesus como pomba e uma voz que diz: Tu és o meu filho amado, de ti eu me agrado(Mc 1,10-11).

Com a efusão do Espírito Santo começa uma nova era para a humanidade. E o batismo de Jesus sinaliza-a. Pedro, no discurso depois da descido do Espírito Santo, retoma tal texto para interpretar o evento do Pentecostes, que perpetua a era de Jesus principiada no batismo(At 2,14-36).

Uma vez marcada a entrada do Espírito Santo na vida de Jesus, os sinóticos referem-se várias vezes à força do Espírito que o conduziu ao deserto para ser tentado(Lc 4,1) à Galiléia(Lc 14), a reconhecer na alegria a disposição de Deus Pai de revelar-se aos pequeninos(Lc 10,21) e em nome de quem expulsa demônios(Mt 12,28).

Penso que diante das dificuldades atuais, num mundo globalizado e secularizado onde o povo sofrido além da fome física carece da fome espiritual, é preciso que os semeadores se preparem de maneira adequada para o exercício da fé e para isto a oração diária deve ser uma constante em sua vida. Primeiro deve cuidar de si e depois cuidar dos outros. E para isto acho primordial estes parágrafos do texto “A vida espiritual do sacerdote Cristão” escrito por Evelyn Underhill:
“É Certo, naturalmente, que ao falarmos em oração devemos estar alertas à inclinação de pensarmos nela simplesmente como um meio de conseguirmos auxílio de Deus como nos convém. Contudo, para o sacerdote, é ela a única fonte de poder pastoral. Aptidões intelectuais e sociais, boa homilética, capacidade de organização, ajudam muito no seu trabalho. Mas não são essenciais ao desempenho do ministério. A oração o é. O homem cuja vida é semeada de oração e cuja comunhão com Deus vem em primeiro lugar ganhará almas: sua própria vida mostrará ao mundo o poder de atração da realidade, a exigência e a capacidade transformadora da vida espiritual. Em comparação, todas as outras capacidades que possa ter, não são tão importantes. O Fato é que ele se transforma em testemunho daquilo que proclama. Podemos ensinar com muita persuasão, trabalhar entre os pobres, saber toda teologia moderna – mas se tudo isso não vier envolto e não for superado por uma constante devoção a Deus – jamais ganharemos almas.

Bibliografia

Calvani, Rev. Dr. Carlos Eduardo. “Apostila - Cremos no Espírito Santo”.

Eser B.Cesar, Ely. “ A ação humanizadora do Espírito” – AsteLibânio,

J,B. “Creio no Espírito Santo”- São Paulo: Paulus,2008”.

UNDERHILL, Evelyn. “A vida espiritual do sacerdote cristão”.

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