sexta-feira, 20 de maio de 2011

Eucaristia e Reino de Deus

Por Ivan Vieira


(EUCARISTIA E REINO DE DEUS)

Somos convidados a apreciar em algumas páginas a dimensão daquilo celebrado outrora pelas comunidades cristãs primitivas, e que se perpetua até nossos dias: Jesus, presente através do pão partilhado e do vinho derramado. De forma simples, mas rica em significados, veremos que esse momento, em que o povo de Deus se reúne em torno do altar, é hora de adoração, de louvor, e, ao mesmo tempo, de compromisso com o Reino de Deus. Comungar é tornar-se um com Ele, é aceitar todas as prerrogativas as quais este ato de entrega nos impele. Estas poucas páginas também querem exortar a nós sacerdotes, ministros e todo povo de Deus a motivarmos as nossas celebrações e fazê-las de forma que realmente sejam a festa do Reino o qual experimentamos já, aqui e agora.



Sumário

1) Introdução
2) Desenvolvimento
2.1) Reino de Deus, Por quê?
2.2) Ceia Judaica e Ceia do Senhor
2.3) Eucaristia e Reino de Deus.
3) Conclusão
4) Bibliografia

Introdução

Celebrar a Eucaristia é celebrar a festa da ressurreição com todos os batizados. É fazer subir nossas orações de ação de graças para coroar e agradecer ao Deus da vida pela vinda do seu Filho amado, pela Boa Nova do Reino e por sua compaixão por nós que buscamos incessantemente e sonhamos com o Reino acontecendo no meio de nós.


Proponho-me aqui abordar de maneira simples e singular um tema muito querido por mim que é a Eucaristia. Não tenho a intenção de fazer nenhum tratado, nem de me alongar com termos técnicos e confusos.


A Eucaristia foi celebrada de maneira simples. Jesus, sentado com seus apóstolos, partilhou da mesma fé que recebera, repetindo a liturgia tal qual a dos seus pais, mas com uma novidade transformadora e renovadora. Tornou transparente aos seus companheiros a dimensão do que estava sendo celebrado naquele momento.


Um sacramento, maior de todos, pois era Ele mesmo que estava se doando por inteiro para a felicidade de muitos. Gesto simples: um pão que se torna sua carne; um cálice de vinho que se torna seu próprio sangue. O cálice é derramado e o Espírito Santo faz o resto.


O gesto de Jesus é repetido nas comunidades primitivas e se perpetua até hoje porque celebramos a festa, celebramos o seu martírio, celebramos a vida que brota no doar-se do Cristo Jesus.


Nestas poucas páginas, pretendo abordar a dimensão da Eucaristia, seu significado, o que ela representa para nós cristãos, e seu sentido escatológico na perspectiva do Reino de Deus.


Abordarei sobre o Reino de Deus, justificando o porquê de sua necessidade, levando em consideração relatos do profeta Isaías e do Novo Testamento. Nessa perspectiva, abordo também, sobre a Ceia Judaica e a Ceia do Senhor, porque ambas celebram a Páscoa, celebram a passagem da morte para a vida.


Quando celebramos o cordeiro imolado, rememoramos o sacrifício de Jesus, nos colocamos diante do mesmo altar, partilhamos o pão e o vinho e agradecemos pela vida que jorrou através de seu sacrifício na cruz, o qual nos convida a sermos outros cristos com Cristo.


É neste pensamento, que transcorro em algumas poucas páginas o tema “Eucaristia e Reino de Deus”, ansiando tornar em nossas comunidades essa dimensão inteligível, para que ela realmente seja absorvida e entendida como realmente quis o nosso Mestre. Ao mesmo tempo, deixo uma sugestão para que nós façamos das nossas liturgias, verdadeiras festas. É lógico que o ato fala por si. Mas é preciso tornar este momento agradável, festivo, renovado para que saiamos das nossas celebrações levando um Jesus que é amor e alegria.


Ele morreu para que fôssemos livres e felizes. A vida venceu a morte, portanto celebremos a festa.


2.1) Reino de Deus, Por quê?

Para entendermos a dimensão do Reino de Deus, necessitamos através da Bíblia, Palavra de Deus, percebermos como esta Palavra anunciada por tantos profetas e homens de Deus anteviu a vinda de um Messias que instalaria a paz e a unidade no meio do seu povo.


O povo de Israel, cansado de tanto sofrimento, labuta e exploração, clama por liberdade, por terra e uma vida mais justa. É neste pano de fundo que uma voz surge no deserto: “Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo, vereda a nosso Deus”. (Isaías 40:3). Isaías anuncia a vinda do Messias libertador, e João Batista chama as pessoas ao arrependimento para “preparar o caminho” em seus corações para a chegada do Rei Jesus. (Lucas 3, 4-6).


Esse gesto cheio de mistério de um Deus amoroso e cheio de compaixão, capaz de se fazer humano com nós, é o início de uma nova era cheia de esperança e de uma história que mudaria para sempre a vida do povo de Deus.


Em Nazaré, um anjo aparece a uma mulher do povo, noiva de um tal José, descendente da tribo de Davi, anunciando que esta fora escolhida para ser a mãe do Salvador. O canto de Maria expressa a alegria, as verdades do Reino e as promessas de Deus que começam a tornar-se realidade: “Manifestou o poder de seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. Acolheu a Israel, seu servo, lembrando da sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade para sempre.” (Lucas,1, 51-55).


Jesus durante a sua vida pública prega a Boa nova ao povo de Israel, mas demonstra todo o amor e ternura de Deus para com os que sofrem e padecem as dificuldades de viver sob um sistema opressor e marginalizante.


O Sermão da Montanha é explícito quando Jesus diante daquela multidão sofrida que o seguia diz: “Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o reino dos céus! Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem aventurados os corações puros, porque verão a Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.” (Mt 5, 1-11).


O mistério da encarnação é entendido através do gesto carinhoso de nosso Deus que se fez homem e através de sua humanidade anunciou e estabeleceu o Reino o qual podemos experimentar no meio de nós, cada vez que celebramos o mistério da paixão, morte e ressurreição. Ele manteve-se fiel ao Pai até a morte e morte de cruz. Quando nos reunimos em torno da mesa, antecipamos o Banquete celestial e somos impelidos a vivenciarmos como outros cristos as verdades do Reino.

2.2) Ceia Judaica e Ceia do Senhor.

A Eucaristia, “Ceia do Senhor”, que nós cristãos celebramos, tem raízes no ritual judaico das refeições de festa. Como era costume entre o povo de Israel, a Ceia judaica celebrava a passagem do povo de Deus do Egito para a Terra Prometida, terra esta que segundo a Bíblia jorra leite e mel, ou seja, a terra da felicidade, da fartura e da liberdade (Ex. 12; Lev. 23, 4-14).


A Ceia Judaica na época do segundo Templo tinha um caráter mais ritualizado. Os levitas cantavam os salmos do Hallel (Sl 113-118). Depois o pai de família levava o cordeiro ao Templo e o sacrificava, enquanto os sacerdotes recolhiam o sangue para aspergir a base do altar. Em seguida o cordeiro era assado em casa e comido, depois do pôr-do-sol, com pão sem fermento e ervas amargas. As pessoas tinham os ris cingidos, sandálias nos pés e um bastão na mão. A refeição servia também para a instrução dos jovens da casa, para recordar a libertação de ontem e da sempre esperada, porque “em cada geração cada um deve considerar que foi ele o libertador do Egito. Não era diretamente messiânico, mas não deixava de dirigir-se para o futuro. Durante a refeição pascal e de outras festas, ou na recepção de um hóspede, o pai de família começava com uma bênção sobre o pão, antes de parti-lo e dar a cada um. Depois, no fim da refeição, era pronunciada outra bênção, esta sobre o vinho, enquanto cada conviva mantinha sua taça diante de si. O pai dizia uma primeira bênção, de maneira bastante livre, por exemplo: ”Bendito seja Deus, o Rei do mundo, que tirou o pão da terra”. Ou, antes da taça: “que criou o fruto da vinha”. Porque tudo pertence a Deus.


A ceia do Senhor, sua instituição, encontra-se em Mateus 26, 26-28, Marcos 14, 22-24, Lucas 22, 19-20 e 1Coríntios 11, 23-26. Era um costume habitual na Igreja primitiva como nos relata os At 20, 7-11: “No primeiro dia da semana, estando reunidos para partir o pão, Paulo, que havia de viajar no dia seguinte, conversava com os discípulos e prolongou a palestra até a meia-noite. Havia muitas lâmpadas no quarto, onde nos achávamos reunidos. Acontece que um moço, chamado Éutico, que estava sentado numa janela, foi tomado de profundo sono, enquanto Paulo ia prolongando seu discurso. Vencido pelo sono, caiu do terceiro andar abaixo, e foi levantado morto. Paulo desceu, debruçou-se sobre ele, tomou-os nos braços e disse: “Não vos perturbeis, porque a sua alma está nele”. Então subiu, partiu o pão, comeu e falou-lhes largamente até ao romper do dia. Depois partiu”.


Da Santa Ceia do Senhor só participavam os batizados e consistia das seguintes cerimônias: o partir do pão e derramar do vinho. Distribuição dos elementos pelos discípulos e o ato de comer e beber. Era celebrada pelos apóstolos como uma ordem que deveria ser obedecida, desta forma se mantiveram fiéis à Doutrina dos apóstolos e na Comunhão, no partir do pão e nas orações (At. 2, 42).


“O sacramento era celebrado em casa no primeiro dia da semana, aos domingos pela manhã bem cedo, de modo que pudessem todos depois ir cada um ao seu trabalho, sendo, pelo menos dessa feita, precedido o cerimonial por devota vigília, oração e homilia”’. (Liturgia Anglicana, Adão Pereira, Sidney A. Ruiz)


Os judeus tinham o costume de agradecer a Deus pelo alimento recebido, pois o consideravam sagrado e dom de Deus ao homem. Sempre às refeições davam um aspecto religioso, rendendo graças pela misericórdia divina. Os apóstolos enriqueceram o rito que Jesus instituíra com novas e ricas significações.


Existe hoje entre alguns teólogos a idéia de que a cronologia narrada pelo Quarto Evangelho seja correta quando mostra que a Ceia do Senhor não se realizou por ocasião das festividades da páscoa judaica, mas que se tratava de uma refeição sagrada de caráter íntimo que Jesus realizava comumente com seus discípulos. Esta foi uma preparação para essa grande festa.


Segundo esses teólogos a “Ceia do Senhor” havia sido celebrada muitas vezes entre Jesus e seus seguidores. Isso fica explícito quando lemos o capítulo 24, 13-35 do Evangelho de Lucas quando narra a passagem dos discípulos de Emaús.


Dois discípulos caminhavam pela aldeia de Emaús conversavam sobre tudo que tinha acontecido com o Mestre. Enquanto conversavam, Jesus aproximou-se deles e caminhou com eles sem que eles o reconhecessem. Levaram-no para casa e deram-lhe abrigo e alimento. Reconheceram Jesus com o gesto de repartir o pão e dar graças a Deus, e estes não estiveram presentes na Última Ceia.


Deve-se a Paulo a relação imediata entre a Última Ceia e a paixão de Jesus. O apóstolo conseguiu transfigurar a própria dor da paixão na glória da ressurreição, identificando a velha páscoa com o novo rito, quando diz: “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós; portanto façamos a festa” (1Cor. 5,7).


“A Ceia Pascal é uma figura da vida, morte e ressurreição de Cristo, e tem aí sua plena realização: o cordeiro pascal é substituído pelo Cordeiro de Deus. Em vez da libertação do jugo egípcio, temos a libertação do jugo do pecado; o caminho para a terra prometida é o caminho para o céu; a presença de Javé no meio do seu povo é a presença eucarística. Paulo dirá em 1 Cor 5,7: “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado por nós”. (Bíblia Sagrada ave Maria, Ed. Ave Maria).

2.3) Eucaristia e Reino de Deus

Jesus, na Última Ceia, celebrou com seus apóstolos em gestos, palavras e símbolos, a consumação daquilo que ele iria realizar no dia seguinte: ele se entregaria totalmente na cruz, dando-nos seu corpo e sangue: “Comei: isto é o meu corpo que será entregue na cruz! Bebei: isto é o meu sangue que será derramado por vossa causa!” (Lc 22, 16-19). Esta Ceia sagrada, onde ele celebrava com os seus, a sua própria morte e ressurreição, antecipava misteriosamente a ceia das núpcias do cordeiro.


É o momento crucial em que Jesus se depara diante do que estava por vir e que era necessário que o Filho do Homem se mantivesse fiel até o fim para que fosse cumprido o que estava escrito nas Escrituras: “Ele manteve-se fiel até a morte e morte de cruz”.


Jesus, ao longo de sua vida, construiu com seus apóstolos um estilo de vida diferente, que rompia com todo e qualquer resquício do fermento que atingia os detentores do poder e a soberania. Seu estilo de vida invoca seus seguidores a amar até as últimas conseqüências, a ponto de dar a própria vida pelo próximo. Mesmo que para assumir o Evangelho radicalmente levasse mais algum tempo a ser assimilado pelos discípulos, Jesus foi incessante em continuar a divulgar a Boa Nova do Evangelho, preparando os mesmos para a longa jornada do povo de Deus rumo ao Reino prometido pelo Mestre, onde seriam bem-aventurados os pobres, os sofredores, os perseguidos, os desvalidos, todos aqueles que têm fome da verdade e da justiça.


O Mestre foi preparando, aos poucos, os seus discípulos, para que tivessem a mesma coragem de dar a própria vida. Mais tarde, sabemos que muitos dos apóstolos foram martirizados por causa do Evangelho. Porque tiveram coragem de assumir e deixar a Palavra penetrar no coração, de transformar suas vidas e de levá-los para a missão. Tiveram coragem de comer a carne e beber o sangue do Mestre: “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6,53).


Aqui, ele não estava tratando de alimento no sentido metafórico, mas era a sua carne, em verdade, uma comida e o seu sangue, em verdade, uma bebida, como nos relata o evangelista João no capítulo 6. Ou seja, em gestos, em palavras, Jesus queria, que além de antecipar as núpcias, também saboreássemos, na força do Espírito Santo, a Ceia do Banquete celeste. É uma ceia que começa na terra e durará no céu, por toda a eternidade.


Portanto, é um mistério imensurável e santo, cada vez que participamos do Pão e do Vinho, eucarísticos entramos em comunhão de vida com Aquele que é Morto e Ressuscitado, com o Cordeiro eternamente imolado por nós. “Cada participação na Eucaristia é uma transfusão de vida eterna que recebemos, até que a consumemos na glória!” (Zizioulas, Ioannis – Eucaristia e Reino de Deus. Ed. Mundo e Missão.)


A missa, ou o culto eucarístico é, ao mesmo tempo, o memorial sacrifical no qual se perpetua o sacrifício da cruz, e o banquete sagrado da comunhão no corpo e no sangue do Senhor. A celebração está toda voltada para união íntima dos fiéis com Cristo, pois neste momento recorda-se a paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo que deu sua própria vida para nos salvar e instalar o seu Reino no meio de nós.


Cada vez que comungamos, nos comprometemos com o projeto de Jesus, nos tornamos um com ele e dizemos que queremos continuar a propagar o Reino de Deus entre nós. “Faze com que nos aproximemos desta mesa para o serviço e não apenas para a satisfação pessoal ”(Oração eucarística A do LOC). Na Ceia Eucarística acontece a comunhão entre nós e Cristo e, a comunhão entre nós, no único Espírito Santo de Cristo ressuscitado.


Santo Agostinho de Hipona afirma: “Se sois o corpo e os membros de Cristo, é o vosso sacramento que é colocado sobre a mesa do Senhor; recebeis o vosso sacramento. Respondeis: “Amém” aquilo que recebeis, e confirmais ao responder. Ouvis esta palavra: “O corpo de Cristo”, e respondeis “Amém”. Sede, pois um membro de Cristo, na caridade com os irmãos mais carentes e sofredores, sobretudo com os pobres”.


São João Crisóstomo ensinava assim: “Degustaste o Sangue do Senhor e não reconheces para que o vosso Amém seja verdadeiro”. Sequer o teu irmão. Desonras esta própria Mesa, não julgando digno de compartilhar do teu alimento aquele que foi julgado digno de participar desta Mesa. Deus te libertou de todos os teus pecados e te convidou para esta mesa. E tu, nem mesmo assim, te tornaste mais misericordioso”.


Os Evangelhos são unânimes em mostrar que a última ceia nos remete para o Reino de Deus. Os apóstolos participaram do banquete como prefiguração do novo Israel: “E eu preparo para vós um Reino, como o Pai o preparou para mim, para que possas beber à minha mesa no meu Reino, e vos sentareis no trono para julgar as doze tribos de Israel” (Lc 22, 29-30).


A última ceia foi um evento escatológico, unido indissoluvelmente ao Reino de Deus. É por esta razão que, durante a ceia, Jesus se refere expressamente e com uma particular intensidade emotiva ao Reino: “Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco, antes da minha paixão, pois eu vos digo: não a comerei mais, até que ela se cumpra no Reino de Deus. Pois eu vos digo: a partir de agora, na beberei mais do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus”. (Lc 22, 15 - 16,18ss).


“O mistério da Eucaristia existe porque o Deus Trindade, movido por uma ternura inefável e totalmente gratuita, quer nos encontrar para nos unir a si pelo amor”. Podemos dizer que, em outros termos, “a Eucaristia existe para a celebração e realização do grandioso projeto de Deus: transformar a humanidade para fazê-la entrar desde já no mundo da ressurreição, da qual os sinais eucarísticos são prefiguração”. (Brouard, Maurice – Enciclopédia da Eucaristia).


Quando celebramos a Eucaristia, celebramos o memorial da Páscoa que é vista como a festa da reunificação da humanidade, cuja unidade, rompida no começo de sua história, é restaurada sem cessar pelo amor de Deus, difundido em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado (Rm 5,5).


Graças ao banquete eucarístico, Deus e a humanidade não poderão mais ser separados: “Aquele que come minha carne permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). O banquete celeste só fará consumar essa união.


A comunhão mística da Igreja com Cristo suscita também a comunhão em Cristo porque une as pessoas que estão com Ele num elo de intimidade em Cristo porque comem e bem o mesmo alimento, seu corpo e seu sangue. A esse respeito o teólogo Carlos Eduardo Calvani diz que: “se nossa eucaristia não suscita a certeza da comunhão com Cristo e não nos insere numa prática efetiva de comunhão em Cristo, é sinal de que ainda não interiorizamos suficientemente seu mistério. Se participamos domicalmente da Eucaristia, mas nossa vida não muda e a vida da comunidade também não, cabe perguntar se o que celebramos é, de fato, a Ceia do Senhor ou uma deturpação fast-food” (Calvani, Carlos Eduardo – Eucaristia e Eclesiologia – Revista Inclusividade nº14).


O “Documento Bem” organizado pelo comitê Fé e Constituição diz que: “A Igreja recebe a eucaristia como um presente do Senhor!” Segundo Ramacés Hartwig, este presente é a continuação de todo o “trabalho de Deus na criação”(Gn 1 e 2) que culmina com a encarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo, Senhor da Igreja e autor da nossa salvação. Por isso a Eucaristia recebe muitos nomes, por exemplo: Ceia do Senhor, Última Ceia, partilha do pão, Eucaristia, (Santa) Comunhão, (Divina) Liturgia, (Santa) Missa etc. Ele diz ainda que: “Esta celebração é o ato central da adoração da Igreja” (Revista Inclusividade, nº 9).


Portanto, sendo a Eucaristia “presente de Deus” ela oferece “livre acesso ao Verdadeiro Presente” (Jesus Cristo) cujo memorial (anamnesis) implica na Presença Real do Senhor através dos elementos (pão e vinho) sob a invocação (epiclesis) do Espírito Santo.


Quando a Igreja celebra o “banquete de Deus” antecipa os sinais do seu Reino. Traz para o momento presente a realidade que transforma os cristãos em imagem de Cristo tornando-os suas testemunhas. Por isso ao fim da Celebração eucarística a Igreja é enviada “em paz para testemunhar o Evangelho e a servir com alegria e no poder do Espírito Santo”.


São intimados a testemunharem e a irem como missionários a transformar ambientes e transformar “os reinos deste mundo no Reino do Senhor Jesus Cristo”. “Ide, pois, sede corajosos e fortes na proclamação do Evangelho, no poder do Espírito Santo” (Oração Eucarística A, pág. 83 do Livro de oração Comum). O universo eucarístico se apresenta aberto para o Reino, o Reino onde finalmente a Eucaristia se completa.

Conclusão

As nossas comunidades reunidas em torno do altar para celebrar o memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus precisam despertar para o sentido amplo do compromisso que este sacramento exige, pois quando celebramos, nos tornamos um com Ele e entendemos qual a nossa missão: ser sal da terra.


Se o Sacrifício não impele as nossas comunidades a ser sal da terra, não nos impele a acolher a Palavra e a torná-la viva entre nós, é sinal de que precisamos rever o modo como estamos celebrando a festa, pois a celebração deve atrair todos a Jesus em torno da mesma mesa.


Precisamos de liturgias vivas, festivas, animadas, que exaltem, sobretudo, o significado daquilo que celebramos no altar. Precisamos animar o povo de Deus e despertá-los para que nossas celebrações se tornem momento prazeroso e que alimentados com a Palavra viva e o pão descido do céu, saiamos melhores do que quando entramos. Dispostos, de verdade, a vivermos o que ouvimos e vimos.


A Eucaristia e o Cordeiro imolado para a nossa salvação não podem ser entendidos sem referência ao “último dia”, ao “dia do Senhor”, à parusia e à instauração do Reino de Deus. Com as palavras de Cirilo de Alexandria, “a Eucaristia não é somente e simplesmente “celebração de um tremendo sacrifício”, mas “dom de imortalidade e penhor de vida eterna”.

Bibliografia

Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus. 5ª impressão, 2008.
Bíblia Ave Maria, 129ª. São Paulo: Editora Ave Maria
BROUARD, Maurice – Eucharistia: enciclopédia da eucaristia. São Paulo: Paulus, 2006.
CALVANI, Carlos Eduardo – Eucaristia e Eclesiologia in Revista Teológica do Centro de Estudos Anglicanos – (Inclusividade), Nº 14. Porto Alegre: CEA, 2007.
GONÇALVES, Humberto Maiztegui – Origens e bases bíblicas da Eucaristia in Revista Teológica do Centro de Estudos Anglicanos – (Inclusividade), Nº 14. Porto Alegre: CEA, 2007.
HARTWIG, Ramacés – Eucaristia: Mistério de Deus in Revista Teológica do Centro de Estudos Anglicanos – (Inclusividade), Nº 9. Porto Alegre: CEA, 2004.
IEAB – Livro de Oração Comum - (LOC), p 68,80,85-91. Porto Alegre: Editora Gráfica Metrópole S.A,1988.
PEREIRA, ADÃO - Liturgia Anglicana, Um breve comentário ao Livro de Oração Comum. 2ª edição.
VV.AA - Eucaristia na Bíblia in Cadernos Bíblicos. São Paulo: Paulus: 1985.
VV.AA - Evangelho e Reino de Deus in Cadernos Bíblicos. São Paulo: Paulus, 1985.
ZIZOULAS, Ioannis – Eucaristia e Reino de Deus. Florianópolis: Mundo e Missão, 1994

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